O SOL QUE REVELA O MUNDO ( Parte 1)
Em 1814, quando Arthur Schopenhauer tinha 26 anos e concluía o doutorado, uma discussão brutal se deu entre ele e a mãe, Johanna, que então gozava de grande prestígio como escritora de best-sellers. No calor da briga, ela disse que a tese dele, Sobre a raiz quádrupla do princípio da razão suficiente, devia ser “alguma coisa para farmacêuticos”.
O jovem filósofo retrucou à altura: “Será ainda lida quando não restar um só exemplar de teus escritos nem sequer num sebo.” Nem Tirésias seria tão severo, nem Hermes tão certeiro. As duas profecias foram confirmadas. De Johanna Schopenhauer não se encontra hoje nenhum exemplar, nem mesmo no mais volumoso e heterogêneo dos sebos.
Mas o filósofo também teve de melhorar, e muito, seu trabalho de doutorado até que se tornasse a obra respeitada e canonizada que se conhece atualmente sob o título O mundo como vontade e representação.
Toda essa história de conflitos interiores e embates colossais com todos que se punham à frente de Arthur Schopenhauer é contada em Schopenhauer – e os anos mais selvagens da filosofia (Geração Editorial, 2012, 688 páginas, tradução de William Lagos, R$69,90), de Rüdiger Safranski, mesmo autor de Nietzsche – biografia de uma tragédia e Heidegger – um mestre da Alemanha entre o bem e o mal, ambos publicados pela Geração.
Schopenhauer entrou para a história revolucionando o pensamento ocidental, erigindo um corpo teórico novo, fecundante, parte do qual é inegavelmente precursora da psicanálise, outra parte, precursora da hermenêutica heideggeriana, do existencialismo, do niilismo, do ateísmo filosófico.
Bem antes de Freud existir, o filósofo alemão já havia postulado alguns elementos daquilo que seria essencial na teoria psicanalítica, como a sexualidade. Muito antes de Heidegger, Schopenhauer já tinha elegido a arte como elemento veiculador da intuição, cujo grau de conhecimento seria mais elevado que os conceitos filosóficos preexistentes.
Os dois grandes conceitos que estruturam sua obra são vontade e representação. No entendimento comum, presente nos dicionários lexográficos e na filosofia tradicional, vontade é “o apetite racional ou compatível com a razão, distinto do apetite sensível, que é o desejo”, segundo o Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano.
Mas Schopenhauer redimensiona o significado de vontade e tira o fator racional de sua órbita. “A vontade é um impulso (Strebung) primário e vital”, explica Safranski. Abbagnano também cita um trecho de O mundo como vontade e representação para explicitar esse particular significado schopenhaueriano de vontade:
“É um ímpeto cego, irresistível, que já vemos aparecer na natureza orgânica e vegetal, assim como na parte vegetativa de nossa própria vida (...). O que a Vontade sempre quer é a vida, justamente porque esta é apenas o manifestar-se da Vontade na representação, e é simples pleonasmo dizer Vontade de viver em vez de Vontade”.
fonte: (Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente na Tribuna do Planalto em 24/06/2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário